Douro: A resiliência transformou-se em revolta!

Manuel Cordeiro, presidente da Câmara Municipal de São João da Pesqueira | Imagem: Eduardo Pinto

ARTIGO DE OPINIÃO DE MANUEL CORDEIRO, PRESIDENTE DO MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DA PESQUEIRA

O Douro elevou sempre ao seu expoente máximo a palavra resiliência. A história é prova disso: o povo duriense tem contrariado sempre ao longo dos séculos as adversidades, olhando os desafios com um mais que comprovado espírito de luta, capacidade de trabalho, de reinvenção, de resiliência. Hoje, a resiliência, tão caracterizadora deste povo e desta região, acabou. A paciência esgotou-se. E com razão!

Quero acreditar que o Douro ainda tem futuro, mas o caminho é cada vez mais apertado. A inércia, o desinteresse reiterado dos sucessivos governos desde há décadas, a impreparação dos seus titulares e assessores no que ao Douro diz respeito, aliado a uma triste e generalizada falta de empatia, a divisão entre agricultores e instituições representativas do setor, os aproveitamentos especulativos dos mais “espertos”, uma legislação permeável e obsoleta que permite que a raposa partilhe o galinheiro na maior tranquilidade, um Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP) inoperacional por falta de meios e de foco no que realmente interessa.

Sim, infelizmente a Região Demarcada do Douro parece estar destinada a uma tragédia de enormes proporções, que só os que vivem desta atividade verdadeiramente sentem, desorientados, impotentes, desanimados, com sentimento de injustiça e de revolta perigosa.

Há soluções que evitem a tragédia? Obviamente que sim, todos as conhecemos. Lidero este Município [de São João da Pesqueira] há seis anos e desde o primeiro dia que venho insistindo e sensibilizando, em todos os momentos em que me é permitido, alertando para o problema que a região vive há muito tempo.

Desde há seis anos que venho teimando junto dos decisores políticos e institucionais para a necessidade urgente, de uma vez por todas, do contributo e do olhar do todo nacional. Infelizmente sem sucesso.

Está a atingir-se, se não se atingiu já, o ponto de não retorno da região e quem pode interferir continua impávido e sereno, porque esta questão está fora do perímetro dos assuntos que verdadeiramente lhes interessam.

Só da Parvalorem, TAP, CP e Metro do Porto falamos de capitais próprios negativos no montante de 10.000 milhões de euros (sim… dez mil milhões de euros). O setor empresarial do Estado teve um resultado negativo anual de 1.000 milhões de euros (sim… mil milhões de euros).

E os sucessivos governos têm o desplante de ignorar a região e não lhe despender uma ínfima parte desses valores astronómicos e ainda a capacidade de ficar com milhões de taxas pagas pela região, que nos pertencem e se destinariam à promoção, cativos no orçamento de estado, pasme-se!

Isto sim, é o que verdadeiramente empolga os nossos decisores. Isto sim, é puro desprezo e indiferença.
Não há região nenhuma no mundo, nem produto algum que seja vendido e entregue ao comprador sem se saber o preço que irá receber por ele (sequer se irá receber), num intolerável quadro de discriminação e desequilíbrio entre agentes económicos, o que aparentemente não choca os decisores institucionais e políticos.

Hoje, 19 de julho de 2024, vai reunir o Conselho Interprofissional do IVDP. Hoje, na sala onde se reúnem representantes da produção, do comércio e o IVDP, a decisão que sairá ao final da manhã expressará a gravidade e extensão da crise em que o Douro está mergulhado: à estagnação ou redução de preços e aumento dos custos de produção, que se vem verificando, vai juntar-se provavelmente mais uma significativa redução dos quantitativos de benefício, numa espiral negativa que se aproxima perigosamente do ponto de não retorno.

O Douro gostava que fosse surpreendido ao final da manhã, com uma decisão de consenso entre as partes fora da caixa, que determinasse por exemplo que, mesmo baixando quantitativos, fosse assumido com coragem um aumento dos preços a pagar aos agricultores pelas suas uvas, que pelo menos compensasse essa redução.

Os meus heróis são os durienses, tal qual como escrevia António Arnaut: “… os meus heróis verdadeiros não vêm na mesma história, não têm monumentos nas praças domingueiras, nem dias feriados a lembrar-lhes o nome, são heróis dos dias úteis da semana, levantam-se antes do sol e recolhem apenas quando a noite se fecha nos seus olhos, lavram a terra… são os construtores do meu país à espera, mouros no trabalho e cristãos na esperança, famintos do futuro…”

A região delimitada e regulamentada mais antiga do mundo, de que todos os portugueses se deviam orgulhar, é uma região de ouro.

Infelizmente para os decisores de Lisboa de “ouro talvez nos cálices de quem veio de longe… assistir da janela.” (assim escrevia de forma sublime António Cabral).

Um Douro que tanto deu, tanto dá ao país, mas que ainda espera por verdadeiro reconhecimento!
Este indesejável quadro atual teria claramente responsáveis, que não seriam garantidamente os lavradores durienses.

Que não se chegue a um momento em que, perdida a esperança, a legítima revolta que se acumula não extravase para cenários de descontrole que ninguém pretende.

Manuel Cordeiro, presidente do Município de São João da Pesqueira, 19 de julho de 2024.

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